Vamos contar uma história passada num vale verde chamado Rabanetelândia, um local triste atravessado por um riacho, tendo como habitantes muitos rabanetes, frutos, hortaliças, peixes… uma terra cheia de gotinhas e alimentos tristes, que, de futuro, irão ganhar vida graças à atitude de uma menina chamada Valéria...
Introdução:
Valéria passeia no vale verde e, dialogando com o riacho, com os peixes, com os frutos e com as árvores, apercebe-se de que eles estão doentes por causa dos erros que os homens cometem. As gotinhas de água, o ar e o mar contam-lhe que também eles estão poluídos e mostram-lhe que é necessário salvar a Natureza. Uma corrente de solidariedade é iniciada por Valéria, através de cartas enviadas para todo o mundo que foram levadas pelo vento, pelos pássaros, pelas gotinhas de água, pelos peixes ou passadas de mão em mão. A mensagem chegou ao coração de todos os meninos que serão os homens e mulheres de amanhã; a sua palavra será cumprida e o mundo será salvo.
Cabelo ao vento,
Valéria avançava no vale,
no verde vale,
Valéria.
O riacho passou perto dela, correndo de pedra em pedra, e disse bom dia. Era um riacho muito bem-educado.
E Valéria respondeu: — Bom dia, amigo Riacho! — e perguntou:
— Quem sujou as tuas águas que eram tão claras quando eu tinha cinco anos e ia à escola pela primeira vez? Quem foi?
E o riacho, de pedra em pedra correndo, contou que todas as fábricas da região ali deitavam mercúrio, cobre, zinco, chumbo, todas as coisas ruins que estragavam as suas águas.
— Eu sei! — disse Valéria. — Tu estás poluído, amigo Riacho; os homens que fizeram isso são ignorantes, a tua água já não vai servir para beber, os teus peixes vão ficar doentes, as plantas e os frutos que tu regas não podem ser felizes.
— Pois é Valéria, os humanos não se importam comigo… — disse o riacho muito triste. — O homem vai modificando os ambientes naturais e transforma os rios, lagos, e mares em autênticas lixeiras. Lançam-me para aqui os lixos domésticos (detergentes, alimentos, garrafas…), as fábricas abrem os seus esgotos directamente para mim, usam-se pesticidas que se dissolvem aqui nas minhas águas… e acabo por ficar assim, muito doente.
— Tens toda a razão Riacho, todos nós contribuímos para a poluição da água, alterando a sua composição natural. — disse a Valéria.
Valéria aproximou-se mais um pouco da margem do riacho e explicou:
— Todos os seres vivos necessitam da tua água, por isso é muito importante preservá-la. O homem dificilmente sobreviveria uma semana sem beber água…
— Como sabes tu tantas coisas, Valéria?
— Sabes, ando na EB1 de Esqueiros e lá aprendi estas coisas, a cuidar do ambiente, a preservar a água e a Natureza. Aprendi que a água é um bem precioso, um elemento indispensável à saúde e à vida! Ela, até é fonte de energia!!!
E os peixes subiram à tona do riacho e disseram a Valéria:
— Sim, nós também estamos doentes.
E as plantas curvaram as suas cabecinhas floridas e disseram a Valéria:
— Sim, nós estamos infelizes. Nós precisamos de água saudável para germinar, crescer, florir e dar frutos.
Foi então a vez de as árvores agitarem os ramos e os frutos e dizerem a Valéria:
— Nós também não somos felizes.
Aproximaram-se três rabanetes de poupa pouco verde e faces amareladas.
— Nós estamos tão doentes, precisamos tanto de uma chuvinha fresca, mas ela também anda doente, como o nosso amigo Riacho... — lamentaram-se os rabanetes.
De bengala na mão apareceu o velho Super Rabanete, o chefe da família dos rabanetes, com uma voz muito cansada e triste:
— Ah, se apanhasse um chuvisco de umas boas gotinhas de água, voltaria a ser forte e saudável. Um verdadeiro herói como nos velhos tempos! A água é um bem indispensável para a agricultura, para a produção de alimentos, ela tem influência decisiva na qualidade de vida das populações e dos ecossistemas.
— Tens toda a razão amigo… — disse a Valéria.
De repente apareceu um menino, amigo da Valéria, o César; e ouvindo a conversa interferiu:
— Os homens andam cegos e tolinhos da cabeça… As frutas já não têm vitaminas, sais minerais, como antes. A água doce é um recurso precioso e essencial à vida… e cada dia é mais escasso. Temos que fazer alguma coisa, não acham?
E Valéria contou pelos dedos das mãos: por causa do chumbo, do chumbo e do mercúrio, do mercúrio e do zinco, do zinco e do cobre, dos produtos químicos, e dos homens que não sabem o mal que estão a fazer.
Depois do riacho, dos peixes, das plantas e das árvores, foram as gotinhas de água que disseram a Valéria:
— Nós também estamos poluídas; viemos do mar, do grande mar, que está poluído pelo homem. Mil espécies de peixes já desapareceram e quase 20000 correm o perigo de desaparecerem. E agora até existe outra poluição porque os navios encheram os oceanos de garrafas de plástico.
— De garrafas de plástico?
— Sim. O Oceano Pacífico está cheio de garrafas de plástico que serviram para refrigerantes e que são lançadas ao mar. São milhares de garrafas que ficam a boiar. E lá no fundo, onde antigamente havia lindos recifes de corais, encontra-se chumbo, mercúrio; os peixes não resistem, Valéria; se os homens não tiverem juízo, o mar pode morrer e os homens não podem viver sem o mar...
— Os homens não podem viver sem o mar — repetiu Valéria — e também não podem viver sem o ar que devia ser transparente mas também está poluído.
— Claro que estou poluído — confirmou o ar. — As chaminés das fábricas, os automóveis, os aviões têm-me poluído de tal maneira que qualquer dia não tenho oxigénio suficiente para a respiração das plantas, dos animais e do próprio homem.
Depois do riacho, dos peixes, das plantas, das árvores e das gotinhas de água que falaram do mar, e do ar que soprou as suas verdades, foi um pato que tinha vindo da Dinamarca que contou a Valéria que na sua terra havia cento e cinquenta mil caçadores que tinham cento e cinquenta mil espingardas e enchiam a Natureza de chumbinhos...
O pato explicou:
— Os meus amigos gansos, os meus camaradas marrecos e os meus irmãos patos engolem os chumbinhos que encontram na terra, misturados com pedras pequenas, e os chumbinhos, aos poucos, envenenam as aves; e se um dia os caçadores caçarem as aves, também podem ser envenenados ao saborearem o jantar...
— Os homens não sabem o que fazem — disse mais uma vez Valéria. — É preciso que todas as crianças do mundo, que serão os homens do futuro, salvem a Natureza. Salvem os rios, os riachos, os lagos e as lagoas, os peixes e peixinhos, os corais, os mariscos, todas aquelas coisas vivas e lindas com conchas e conchinhas, o mar, o grande mar, que leva os barcos e beija a praia, o ar, o oxigénio, o vento as nuvens, as gotinhas de água, os marrecos, os patos e os gansos, e todos os pássaros e todos os homens, e Valéria e todas as Valérias do mundo.
Foi então que o solo contou os seus problemas:
— Derrubaram as minhas florestas, queimaram a vegetação, colocaram herbicidas nas minhas folhas (sou ainda verde, mas por quanto tempo?), mataram os insectos; as vacas comeram a erva, e o leite ficou envenenado; as crianças que beberam o leite estão doentes. Assim não podemos continuar, pois não, Senhora Galinha?
E a galinha que estava a debicar as folhas e folhinhas nas pedras e nas pedrinhas disse logo que não; os seus ovos já não eram tão bons e os cereais também não e as verduras também não.
Valéria sabia que nenhum deles mentia porque a Natureza nunca mente e que era preciso escrever para as crianças do Brasil – que escreveriam para as de Portugal para que escrevessem para as da França – que escreveriam para as da Rússia para que escrevessem para as da Índia – que escreveriam para as do Japão para que escrevessem para as da China – que escreveriam para as da Inglaterra, da Itália, da América, de todos os cantos e recantos do mundo, porque era preciso que todos os meninos – meninos brancos, meninos pretos, meninos amarelos, (e as meninas também, é claro) – soubessem que a vida estava em perigo e era preciso salvar a vida.
Cabelo ao vento, Valéria avançava no vale, no verde vale, Valéria.
E escreveu cartas e mais cartas enviadas pelo correio, levadas pelos pássaros que emigravam, pelos peixes que partiam para outros rios e para outros mares sopradas pelo vento, seguindo na boca dos bichos, passadas de mão em mão pelas crianças de todas as raças.
E as crianças de todas as raças chamaram os pássaros que tinham – os peixes – e o vento – e as gotinhas de água - e os bichos – e as mãos, e levaram a mensagem de Valéria para que todos soubessem, em todas as partes do mundo, que a vida estava em perigo.
E quando todas as crianças souberam, todas se recusaram a continuar os erros dos homens – poluindo os rios, a chuva, os mares, o ar, o solo, tudo, tudo, tudo.
A mensagem de Valéria chegou ao coração de todos os meninos e meninas, que serão os homens e as mulheres de amanhã. Que serão os pais e as mães de novos meninos e de novas meninas.
Todos decidiram salvar a Natureza e todos os bichos e todos os seres humanos que fazem parte da Natureza. Até a Carlota Joaquina, a rainha da poluição, deu a sua contribuição, deixou de fazer chichi no riacho e agora entrega cartas com despacho!!!!
Ainda temos de esperar para que as crianças sejam adultas e cumpram a palavra que deram. Mas podemos confiar na palavra dada, porque a palavra da criança não está poluída.
Os pássaros que levaram a mensagem contaram a outros pássaros – os peixes a outros peixes – as ondas a outras ondas e o vento soprou a mensagem que correu nas patas dos bichos.
Agora todos sabem o que se passou, e o riacho salta e saltita e diz:
— Obrigado, Valéria!
Exactamente como os peixes, as plantas e as árvores, que dizem:
— Obrigada, Valéria!
Tal e qual as gotinhas de água, que descem do alto muito fininhas, para dizerem:
— Obrigado, Valéria!
E o ar que voltará a ser transparente e agradece, agradece, enquanto o pato que veio da Dinamarca, em nome de todas as aves e pássaros e de todos os bichos, diz quá-quá, que é “obrigado” em língua de pato.
E a vida, que é tudo, tudo o que está poluído e maltratado pelos homens, olha a menina que enviou a mensagem e tem confiança na promessa das crianças de salvarem a Natureza.
Valéria sorri
e avança no vale,
no verde vale,
Valéria.
Sidónio Muralha,
Valéria e a Vida
V. N. Gaia, Edições Gailivro, 2004
Adaptado pelos esqueirinhos, 2008
EB1 de Esqueiros, Vila Verde